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Torun, a terra natal de Copérnico

 

A estátua de Nicolau Copérnico diante da Prefeitura de Torun

           Torun (cuja grafia polonesa é Toruń, pronunciada tórunh) é uma cidade localizada na Pomerânia, às margens do Vístula, o maior rio na Polônia que também banha Varsóvia e Cracóvia. Com um centro histórico bem preservado e que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial, Torun faz parte merecidamente do rol de Patrimônios da Humanidade pela Unesco. É ainda uma das cidades polonesas com maior número de construções góticas em tijolo preservadas e é mundialmente conhecida como o local de nascimento de Nicolau Copérnico. 

               Permanecemos duas noites na cidade, chegando por ônibus no meio da tarde de sábado vindos de Gdansk e saindo por trem no início da manhã de segunda rumo a Wroclaw. A maioria dos turistas conhece Torun somente por algumas horas, mas achei que não era o suficiente e decidi dedicar um tempo maior. Não me arrependi. A cidade encantadora de 196.000 habitantes tem atrações bem interessantes e únicas no seu centro compacto. Além do mais, não reúne tantos turistas quanto as demais onde estivemos, sendo menor e mais tranquila. 

Plano do centro histórico de Torun exposto em mural da rua Fraciszcańska

         Assim como Malbork, a origem de Torun está ligada aos Cavaleiros Teutônicos. Em 1233 eles chegaram e transformaram o pequeno núcleo urbano com a construção de um castelo e de muralhas. Rapidamente a cidade se desenvolveu como centro comercial importante, valendo-se de sua localização estratégica no Vístula. Logo Torun se tornou membro da poderosa Liga Hanseática, o que trouxe enorme prosperidade. Em 1454 eclodiu a Guerra dos Treze Anos entre os Cavaleiros e a Polônia, encerrada pelo Tratado de Torun, onde a região passou a integrar o Reino da Polônia. Com a dissolução do país nos últimos anos do século XVIII, Torun passou para a Prússia (depois Alemanha), só retornando à Polônia em 1919, quando esta ressurgiu com o Tratado de Versalhes. 

Calçadão principal de Torun. Ao longo do piso da via estão dispostas placas contendo os nomes de cidades membros da Liga Hanseática, de Bremen a Riga.

Cidade Velha:

             Como de hábito nas cidades polonesas que visitei, o centro das atividades é a Praça do Mercado, a Rynek. Ocupando grande parte da praça, a antiga Prefeitura se sobressai com sua torre gótica e relógio de quatro faces. Levantada ainda no século XIII, sofreu incêndio na época da invasão pelos suecos em 1703, sendo então reconstruída.

A Prefeitura na Praça do Mercado com a estátua de Copérnico à sua frente


            Atualmente a antiga Prefeitura abriga um pequeno museu no primeiro andar sobre a História de Torun, que dá acesso por uma escadaria de 175 degraus ao topo da torre. Lá de cima me aguardava uma vista magnífica do rio e das ricas edificações no centro. Em particular, dá para apreciar melhor a Igreja de Santa Maria, que dada sua posição apertada por detrás de uma quina da praça, é difícil de fotografar por inteiro. 

Igreja de Santa Maria vista do alto da torre da Prefeitura

Igreja do Espírito Santo (fugindo do padrão gótico que impera em Torun) e ao fundo o rio Vístula, vistos da torre.

       Envolvendo a Prefeitura encontramos diversas estátuas significativas. Numa esquina um simpático burro de bronze atrai os olhares dos turistas que se animam a tirar fotos ao seu lado. No entanto o animal esconde um histórico sombrio: na época medieval existia ali um asno de madeira muito semelhante, com criminosos sendo amarrados no seu dorso pontudo e açoitados em seguida.

O burro numa das esquinas da Praça do Mercado


           Na lateral da Prefeitura encontramos uma fonte que alude a uma lenda semelhante à história do Flautista de Hamelin, mostrando um violinista cercado por oito rãs douradas. Tempos atrás Torun vivia uma epidemia de rãs que infernizavam seus habitantes. O governante local prometeu uma recompensa a quem livrasse a cidade dos invasores indesejados. Todas as tentativas se mostraram infrutíferas até que apareceu um jangadeiro que começou a tocar seu violino de forma bastante desafinada. O som estridente agradou às rãs, que seguiram o rapaz rumo ao pântano, para delírio dos moradores. 

Fonte "O Jangadeiro e as Rãs" junto à Prefeitura


           Mas sem dúvida a estátua que rouba as atenções  é o Monumento a Nicolau Copérnico. Filho mais ilustre da cidade, o astrônomo que publicou a Teoria Heliocêntrica nasceu em Torun em 1473 em uma família de comerciantes abastados. A estátua foi inaugurada em 1853 quando Torun fazia parte da Prússia e é feita de bronze, com escala dobrada de tamanho. Nela Copérnico segura um astrolábio, instrumento usado na época para medição astronômica. Aos pés da estátua uma frase em latim resume de forma certeira sua teoria: "Nicolau Copérnico de Torun, que moveu a Terra e parou sol e céus".

Collegius Maius da Universidade Copérnico - a prestigiada instituição com 18.000 estudantes leva o nome do astrônomo polonês.

Collegium Maximum, mais um belo prédio da Universidade Copérnico. Construído em 1906 para sediar um banco, hoje abriga o museu universitário.


           Torun não poderia deixar de sediar um museu dedicado a Copérnico. A Casa de Copérnico foi o suposto local de nascimento do astrônomo - a certeza é de que pertenceu à sua família. O museu ocupa duas casas adjacentes e se dedica a explorar não só aspectos da vida de Copérnico como apresenta mobília de residência de comerciante da época, o que pode decepcionar quem espera uma visão aprofundada de sua vida e feitos. Fomos explorar o museu assim que chegamos no sábado, pagando 26 zlotys. 

Portão na extremidade ocidental do centro histórico, no final do calçadão


           Na manhã do dia seguinte conhecemos um outro museu que apreciei mais, a Casa Eskens, com ingresso a 22 zlotys. A mostra espalhada por vários andares de mais uma casa gótica é dedicada também à História de Torun. A exibição principal é o chamado Livro de Torun, na realidade um filme de treze minutos apresentando a evolução da cidade desde seus primórdios até os dias atuais. Em contraste com a Casa de Copérnico, este museu estava com pouquíssimos visitantes. Curioso foi que nos guias de viagem o Livro é descrito como um filme 3D, mas o que assistimos foi a um filme normal em que nós mesmos tínhamos que nos levantar da cadeira e acionar manualmente num painel lateral o botão para iniciar cada uma das mais de dez partes cronológicas da atração. Foi um senta-levanta chato e desnecessário. Será que agora é sempre assim ou assistimos a um filme diferente?

Catedral de São João

            A frente da Casa Eskens dá para a lateral da Catedral de São João, a igreja principal da cidade, também em estilo gótico. O formato atual da catedral remonta ao século XV. Dentro do templo encontramos a Capela Copérnica, contendo itens relacionados a Copérnico, como a pia onde foi batizado e um busto seu do século XVIII. 

         O sino da torre da catedral é o maior sino medieval polonês, com peso de 7,5 toneladas. Fundido em 1500, tem até nome, Tuba Dei ("Tuba de Deus" em latim). Séculos atrás eram dois sinos, mas um deles foi levado pelos invasores suecos em 1703 e hoje badala na distante Catedral de Uppsala na Suécia, rebatizado como Sino de Torun. Já o grande relógio na parede da torre é mais antigo ainda e é chamado de Digitus Dei ("Dedo de Deus"). Voltado para o rio para orientação dos navegantes e estivadores, marca apenas as horas com seu único ponteiro que termina numa mão com dois dedos em riste. 
 

Cidade Nova:

        O centro histórico de Torun é dividido em dois, Cidade Velha e Cidade Nova. A Cidade Nova é mais jovem somente três décadas, tendo surgido ainda no século XIII para abrigar o número crescente de artesãos que imigraram em busca de trabalho.  

Hotel Eter, que setecentos anos atrás era hospital.


              O ótimo hotel onde nos hospedamos foi um achado. O Hotel Eter está situado na Cidade Nova, a algumas centenas de metros da rodoviária, da estação de trem Miasto e da Praça do Mercado. O prédio em si é um monumento histórico. A rua pacata onde se localiza é a Szpitalna, uma das poucas palavras em polonês semelhante ao português; acontece que o hotel ocupa exatamente as instalações do antigo Hospital Santiago, fundado ainda no século XIII. Se o nome do hotel não fosse indicativo suficiente, nas paredes do corredor para o elevador estão pendurados esquemas de anatomia humana. E aqui vai um agradecimento à equipe do hotel, que no último dia abriu o salão do café da manhã quinze minutos antes do horário habitual para que pudéssemos tomar o café antes de rumar para a estação.

Os pierniczkis oferecidos no bufê do café da manhã


               Falando em café da manhã, para mim a estrela dos quitutes foi a iguaria pela qual a culinária de Torun é conhecida, o pierniczki ou gingerbread em inglês. Seu gosto e consistência são muito parecidos com os do nosso pão de mel e são feitos com mel, cravo e canela, entre outros ingredientes. Estes biscoitos doces são tão famosos que Torun dispõe de não um, mas dois museus dedicados ao tema. Ambos estão instalados em antigas fábricas, onde se conhece a história do biscoito e se aprende como prepará-lo, colocando literalmente a mão na massa.

Os enfeites externos da Igreja de Santiago 

         Se o Hospital Santiago deixou de funcionar há séculos, a Igreja de Santiago (em polonês Sw. Jakob) situada bem na frente do hotel continua atraindo visitantes. A belíssima construção gótica é quase tão antiga, tendo sido erguida no início do século XIV. Os inúmeros detalhes pontiagudos enfeitados que varam o telhado inclinado me fascinaram, criando um efeito singular. Vale notar no lado de fora aos pés da estátua barroca do apóstolo um sinal em concha, que indica a participação da igreja no circuito de peregrinação dos fiéis dos Países Bálticos rumo a Santiago de Compostela. 

A ex-Igreja Evangélica na Nova Rynek

             Se a Cidade Nova nasceu separada da Velha, nada mais natural que contivesse também uma Praça do Mercado. A agora chamada Nova Rynek está situada a um quarteirão do hotel e a exatas cinco quadras da Rynek original (para se sentir como as duas cidades eram próximas...). Como de hábito ela possui um grande e bonito edifício no seu centro, só que é uma igreja. Como assim, não deveria ser o mercado ou a prefeitura, como de hábito na Polônia? Bem, no princípio ali ficava mesmo a prefeitura, que perdeu a razão de ser com a fusão das cidades no século XVIII, passando a abrigar a Igreja Evangélica quando seus fiéis deixaram de utilizar a vizinha Igreja de Santiago. A construção atual não é a original e atualmente tem outra função, sediando a Fundação Tumult, responsável pela organização do Festival de Cinema Camerimage. O festival ocorre anualmente num pavilhão da cidade em novembro. Dentre os filmes já laureados com o troféu Rã de Ouro (homenagem aos batráquios representados na Fonte do Jangadeiro) estão os oscarizados Coringa, em 2019 e Nomadland em 2020. 

Muralhas e Castelo Teutônico:

             Um dos fatores que mais contribuem para o charme de Torun é a parte da muralha medieval ainda conservada. Os muros defensivos foram erguidos ainda no século XIII, nos primórdios de existência do núcleo urbano. Originalmente com comprimento de quatro quilômetros, a parte de maior extensão ainda existente é justamente a mais fotografada, separando o centro histórico do Vístula. Uma curiosidade é que mesmo depois de sua junção administrativa, Cidade Nova e Cidade Velha se mantiveram separadas pelo muralha por um bom período de tempo. 

Vista do Rio Vístula a partir do Portão do Mosteiro

           A sucessão de nove torres e três portões é de encher os olhos, especialmente porque podem ser admirados de uma distância maior a partir da margem do rio. O primeiro portão é o Portão do Mosteiro, que surpreendentemente possui um abrigo antiaéreo abaixo, construído em 1943 pelos alemães que ocupavam o país e que está aberto para visitação. Do lado de fora do portão se encontra o que parece ser uma grande mina submarina. O que faz ali, a centenas de quilômetros da costa do Mar Báltico, é um mistério. Será que na guerra colocavam minas no leito do rio?

Portão do Mosteiro enfeitado com a bandeira da Polônia e a misteriosa mina naval


             A alguns passos do Portão do Mosteiro encontramos a torre mais insólita da muralha, a Torre Inclinada. Está bastante fora do prumo, com deslocamento de 1,5 metro devido ao solo instável. Claro que há uma lenda com uma explicação mais fantasiosa - um dos cavaleiros teutônicos que habitavam Torun quebrou a proibição de se encontrar com uma mulher e foi descoberto. Enquanto a mulher recebeu chibatadas, a ele coube a punição de construir a torre, torta como seu desvio de caráter, de forma que seu pecado fosse para sempre recordado. Até hoje há uma crença que pecadores são incapazes de se manter eretos na torre. 

A Torre Inclinada

 
                 Dois portões que se sucedem após o Portão do Mosteiro são o Portão dos Marinheiros e o Portão da Ponte, ponte que por sinal já não existe assim como o mosteiro do primeiro portão. Achei o formato do Portão da Ponte intrigante, me fez lembrar algum personagem infantil espantado, com o arco da passagem compondo a boca e as pequeninas janelas o nariz e os olhos. 

O Portão da Ponte

              Acompanhando a muralha para leste ao longo do rio, finalmente alcançamos as ruínas do Castelo Teutônico. Um dos primeiros castelos construídos pela Ordem Teutônica na Polônia no século XIII, era a base dos cavaleiros para cristianizar os pagãos que habitavam o país e onde morava o comandante. Se a maioria dos monumentos milenares rui ou é destruído pelos inimigos, este castelo teve uma sina inusitada: foi destruído pela própria população de Torun em 1454 após uma revolta contra a Ordem. Hoje a parte reconstruída e as ruínas do restante podem ser visitadas com um ingresso de 20 zlotys. 

Arco de entrada das ruínas do Castelo Teutônico. A torre da direita era uma torre sanitária, por onde corriam os dejetos do castelo. 

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           Torun foi a única cidade onde pernoitamos na Polônia em que as estações rodoviária e ferroviária ficam distantes entre si. Existem duas estações ferroviárias em Torun, a principal (Główny) fica do outro lado do rio a dois quilômetros, enquanto a secundária, chamada de Miasto ("cidade" em polonês), fica colada ao centro. O trem que pegamos para Wroclaw passava pelas duas, utilizamos a Miasto e com isso evitamos usar táxi para nos deslocarmos à estação. Fica a dica, se for usar o trem fique atento à estação onde embarcar, somente alguns param na Miasto. 

Palácio Dambski, teatro no centro histórico com fachada barroca


            No próximo post mostrarei Sopot, balneário nas cercanias de Gdansk. 

⏩➧    Este é o quinto post da série sobre a viagem à Polônia  realizada em maio de 2024. Para visualizar os demais e ver o roteiro completo, acesse o post Percorrendo a Polônia de Norte a Sul.
 
 Postado por  Marcelo Schor  em 15.08.2025 
 
 
 

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