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| Grua Medieval no caminho para o museu |
Algumas cidades possuem um museu que se destaca em relação ao demais devido a seu acervo ou importância, tornando-se atração que não se pode deixar de conhecer. Este é o caso de Gdansk, que conta com o impressionante Museu da Segunda Guerra Mundial, onde são dissecados os acontecimentos deste evento terrível que mudou a história da Humanidade. E talvez não haja lugar mais apropriado que Gdansk para sediar o museu, afinal foi lá que a guerra começou.
O museu dista 1,1 quilômetro da Długi Targ, a praça central da cidade onde estávamos hospedados. A ótima notícia é que o caminho até lá é bastante cênico, na maior parte seguindo pela margem do Motława (pronuncia-se motuava), o rio com extensão de 58 quilômetros que corta Gdansk e deságua a poucos quilômetros da foz do Vístula. Neste post vamos conhecer as atrações desta rota, além do museu propriamente dito.
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| Długi Targ e Portâo Verde ao entardecer |
Nosso roteiro se inicia no Portão Verde junto à praça, já mostrado no último post. Da ponte em frente ao portão conseguimos divisar ao longe parte do museu despontando no horizonte, com sua forma inusitada que o torna único na paisagem urbana. Esta ponte, que tem o mesmo nome do portão, hoje reservada a pedestres, foi construída em 1564 originalmente como ponte levadiça e é a mais antiga da cidade a atravessar o Motława.
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| Prédios em estilo holandês junto ao rio, vistos da ponte do Portão Verde |
Do outro lado da Ponte Verde está Wyspa Spichrzów ("Ilha dos Celeiros", soa como spirrjuf), uma ilha fluvial estreita que no passado abrigou centenas de celeiros que atendiam ao porto adjacente. O número elevado destes armazéns que guardavam grãos no porto já dava ideia da importância comercial de Gdansk, uma das principais cidades que eram membros da Liga Hanseática. Abandonada após a destruição da Segunda Guerra Mundial, a ilha só foi revitalizada há alguns anos. Hoje a orla que dá para o rio abriga prédios charmosos que sediam lojas, restaurantes e hotéis. A promenade com piso de madeira que acompanha a orla a partir da ponte é uma ótima opção para caminhadas vespertinas curtindo a paisagem fluvial. Almoçamos num bom restaurante italiano situado nessa promenade, o Viceversa.
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| Promenade junto ao rio Motława |
Junto ao canal que sedia a marina na extremidade oposta da ilha se destacam duas torres medievais que formam o Portão Stągiewna, cuja tradução é "Portão da Vasilha de Leite", uma referência dos habitantes a seu formato (não achei que tinha muito a ver, mas enfim...). O portão foi construído em 1517 como defesa para os celeiros então existentes. As duas torres cilíndricas são interligadas por uma passagem elevada, com o portão propriamente dito situado abaixo dela. Atualmente suas instalações são ocupadas por um centro de entretenimento com cinema de realidade virtual. Por sinal, passei por lojas com este tipo de divertimento em vários locais poloneses.
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| O Portão Stągiewna junto à marina. A outra torre está escondida atrás da maior. |
Voltando à rota para o Museu da Segunda Guerra que acompanha o rio, é impossível não notar a Grua Medieval, uma das mais características construções de Gdansk e um dos seus símbolos mais reconhecidos. Erguida no século XV, era o maior guindaste de porto na Europa, utilizado para levantar mercadorias e posicionar mastros nas embarcações. Uma réplica do mecanismo de acionamento se encontra em exibição, com esteiras de madeira que eram movidas pelas pernas. Esta é uma das atrações do Museu Marítimo Nacional lá situado. Na verdade o museu se divide em duas construções, cada uma de um lado do rio, e as exibições abordam a história do comércio marítimo da cidade, além de um navio da década de 50 ancorado em frente que pode ser visitado. No entanto o museu apresenta um inconveniente sério, a maioria das legendas é apresentada somente no idioma polonês.
As duas sedes do Museu Náutico normalmente são interligadas por um barco que une as margens do rio, mas devido às obras em andamento na orla fluvial (veja os tapumes na foto abaixo), o serviço se encontrava interrompido durante nossa estadia na cidade, obrigando quem gostaria de conhecer as duas partes em sequência a dar uma volta a pé considerável. O serviço de barco é bastante antigo, existente desde 1687.
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| Museu Marítimo na Grua Medieval |
Mais alguns passos e bem no ponto onde os dois braços do Motława que circundam a Ilha Ost se juntam divisamos um galeão ancorado, réplica das embarcações existentes no século XVII. É o barco de cruzeiro que leva aos turistas a Westerplatte, o lugar junto à foz do rio no Mar Báltico onde ocorreu a primeira batalha da Segunda Guerra entre alemães e poloneses. Lá se situava um posto controlado pela Polônia.
Formando um conjunto original com o galeão, podemos apreciar diante dele o Portão do Espírito Santo, parecendo um castelo gótico algo soturno, construído no século XV.
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| O galeão do cruzeiro a Westerplatte e o Portão do Espírito Santo com suas duas torres. |
Museu da Segunda Guerra Mundial
O prédio do museu inaugurado em 2017 impressiona pelo arrojo arquitetônico. De cada lado que nos aproximamos do complexo, a figura aparenta ter uma forma diferente. A da foto abaixo, com o formato de barra inclinada com teto triangular, me lembrou uma embalagem de chocolate suíço encravada no solo. Segundo li, a vasta área descoberta ao redor representa o presente e o prédio em si, que alcança 40 metros de altura, o futuro. Já os salões subterrâneos das mostras são o passado tenebroso.
Foi em Gdansk que as tropas nazistas iniciaram a Segunda Guerra Mundial em 1º de setembro de 1939, invadindo a Polônia. Gdansk (Danzig em alemão) havia se tornado um dos pontos da discórdia entre Alemanha e Polônia desde 1920, quando lá foi instituída uma zona livre europeia, desagradando os dois lados, com as rusgas escalando com o passar dos anos. Não foi à toa portanto que a invasão começou por lá, quando os alemães atacaram postos poloneses existentes na zona livre.
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| Museu da Segunda Guerra Mundial |
Enfocando os acontecimentos trágicos da guerra sob a ótica polonesa, a exibição do museu não cobre apenas o período de seis anos do conflito, mas também os fatores que levaram a ele na Europa e em especial nas duas potências invasoras, Alemanha e União Soviética. A mostra entra ainda nas décadas subsequentes quando a Polônia se tornou comunista na Cortina de Ferro e está dividida nestas três fases, batizadas de "Caminho para a Guerra", "Horror da Guerra" e "A longa sombra da Guerra".
A área da exibição é enorme, com 5.000 m², contendo 18
salões organizados em ordem cronológica, com letreiros em polonês e em inglês. São centenas de fotos, imagens, vídeos com
depoimentos, cenários reconstituídos e muitos objetos relacionados,
incluindo um tanque soviético plantado em meio a escombros. Avançamos
por um corredor central que dá acesso aos salões em ambos os lados. À
medida que vamos progredindo e adentrando o período da guerra, os salões
se tornam maiores, labirínticos e mais sombrios, criando uma atmosfera
sufocante. De forma apropriada, a entrada destes últimos salões contém letras
gigantescas que formam a palavra "Terror".
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| Outra vista do museu |
A guerra trouxe consequências devastadoras para o país. No conflito foram mortos 6 milhões de poloneses dos quais a metade eram judeus, cuja população foi chacinada em campos de concentração. Ao final, as fronteiras da Polônia foram completamente reformuladas, bastante movidas para oeste, e as populações sobreviventes do leste agora soviético foram forçadas a migrar para as cidades devastadas do oeste, antes alemão. Durante nossa estadia em Wroclaw tivemos oportunidade de nos aprofundarmos nos aspectos desse êxodo.
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| Tanque soviético exposto no salão do museu |
Para quem se interessa por História, a visita ao museu é imprescindível. O museu é excelente, com mostras detalhadas e instrutivas, mas seu grande volume de conteúdo pode fazer com que percorrê-lo seja cansativo, levando algumas horas. Para piorar, não há área de alimentação na área acessada pelo ingresso, só fora das catracas. O ingresso não pode ser reutilizado, ou seja, se você sair não volta mais, portanto caso deseje percorrer em detalhes o museu, vá preparado.
Dada a informação de que o número de visitantes é limitado a cada hora, achamos prudente adquirir o ingresso com antecedência via on-line, que custou 29 zlotys. Normalmente funcionando de 10 às 18h, o museu não abre às segundas-feiras. Já às terças a entrada é gratuita, permanecendo o limite de visitantes e não existindo agendamento para esse dia da semana.
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| Antiga sede dos Correios |
Arredores do museu
A 200 metros de distância do museu encontramos um monumento relacionado aos acontecimentos lá narrados. Trata-se do Monumento aos Defensores do Correio Polonês, uma estátua tocante em aço inoxidável situada bem em frente ao antigo prédio dos Correios, hoje um museu também dedicado ao tema. Na estátua a deusa grega da vitória Nike é retratada em pé recebendo um rifle de um carteiro ferido com a correspondência derramada de uma sacola com o símbolo dos correios. Um dos episódios marcantes daquele Primeiro de Setembro de 1939 fatídico, a cena lembra a resistência dos 53 funcionários do prédio, que só cederam ao ataque alemão passadas 15 horas, quando os invasores iniciaram um incêndio no porão. Após se renderem alguns foram mortos na hora, mas a maioria foi presa e fuzilada no mês seguinte. É interessante notar que apesar de Gdansk na época ser uma zona livre na Europa, o prédio do Correio Polonês era considerado parte do território da República da Polônia, de forma semelhante a uma embaixada, e diante do aumento crescente da disputa com relação ao destino da zona livre, seus funcionários haviam sido treinados para resistir a uma eventual invasão alemã.
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| Monumento aos Defensores dos Correios |
Gdansk foi ainda o berço do Solidariedade, o sindicato capitaneado por Lech Wałęsa (que depois se tornou presidente do país) cujo movimento transformou a História da Polônia e de todo o continente nos anos 80. Toda a trajetória do movimento e a conjuntura da época podem ser conferidas no Centro Europeu do Solidariedade. Este museu ocupa uma construção moderna cuja fachada lembra placas de aço, situada um pouco mais longe do centro histórico, perto dos estaleiros. Acabei não o conhecendo.
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| Pierogis de espinafre |
E para fechar a narrativa sobre Gdansk, foi lá que experimentamos pela primeira vez na viagem o pierogi, o ravióli cozido ou assado que é um dos pratos típicos poloneses mais conhecidos. Escolhemos um restaurante especializado na iguaria, Pierogarnia, situado numa esquina da rua Swiętego Ducha e que é parte de uma rede presente em outras cidades que pernoitamos, Torun e Wroclaw. Dentre os inúmeras opções disponíveis escolhemos a versão cozida com recheio de espinafre, bem saborosa, e para acompanhar, panquecas de batata, outra especialidade regional.
Como se não bastassem todos os atrativos que fazem de Gdansk uma das escalas favoritas dos turistas, a estadia na cidade ainda permite um bate-volta imperdível a uma das maiores atrações do país, o Castelo de Malbork. O próximo post é dedicado a ele.













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