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Dlugi Targ e Torre da Prefeitura |
Nosso ponto de partida nesta jornada que atravessou a Polônia, Gdańsk é uma cidade que cativa os visitantes à primeira vista. Seu centro histórico foi meticulosamente reconstituído como era no século XVIII após ter sido devastado por bombardeios na Segunda Guerra Mundial. O resultado é realmente impressionante, com fachadas fabulosas em sequência. Além disso, Gdansk é parte integrante da História mais recente da Europa, não só por ter sido ali que se iniciou a Segunda Guerra com o desembarque das tropas invasoras alemãs, como também por ter sido o berço do Sindicato Solidariedade, que transformou a Polônia nos anos 1980 e colocou seu líder Lech Wałęsa sob os holofotes mundiais.
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Os belos prédios da Długi Targ. O do centro da foto com as figuras de pessoas pintadas no alto é o hotel onde nos hospedamos. |
A cidade de quase 500.000 habitantes está situada na Pomerânia, região hoje repartida entre Alemanha e Polônia. Conhecida em alemão como Danzig, Gdansk tem uma história conturbada, se alternando entre os dois países e formando até uma zona separada no período entre as duas guerras mundiais. Porto mais importante da Polônia situado no Mar Báltico, foi um dos membros mais proeminentes da poderosa Liga Hanseática. A cidade milenar foi invadida pelos Cavaleiros Teutônicos alemães em 1308, que a governaram por 158 anos e iniciaram um período de grande prosperidade, que atingiu o auge durante o domínio polonês seguinte. A importância de Gdansk então declinou quando passou para a Prússia alemã no final do século XVIII. Após a Segunda Guerra Mundial, quando finalmente retornou à Polônia, se tornou um polo industrial importante. A riqueza de sua arquitetura reconstruída no pós-guerra fez com que a cidade seja hoje uma das mais elogiadas pelos turistas.
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Estátuas no topo das edificações, vista comum em Gdansk. Ao fundo, a torre da catedral. |
Se a cidade foi um dos pontos altos da viagem, o voo de chegada foi uma lástima. Nosso voo entre Amsterdã e Gdansk foi cancelado junto com outros da companhia. Fomos remanejados para dois voos com conexão em Copenhague e acabamos aterrissando em Gdansk com mais de sete horas de atraso, depois da uma da madrugada. Para o dia seguinte, que originalmente seria o segundo, tínhamos agendado para a manhã o tour a pé pelo centro. Estávamos cansados devido às poucas horas de sono, mas à medida que fomos nos deparando com a beleza das ruas, o mau humor logo cedeu a vez ao deslumbramento.
Locais mencionados neste post |
O Caminho Real
O eixo central turístico de Gdansk é a via formada pela Ulica Długa ("rua longa") e Długi Targ ("mercado longo"), seus dois últimos quarteirões onde se alarga. Suas edificações pitorescas no estilo maneirista fazem com que Gdansk adquira ares holandeses.
➤ Neste aspecto Gdansk difere da maioria das cidades polonesas cuja praça principal é sempre a Rynek em formato retangular, aqui inexistente. Outro ponto que pode confundir os visitantes é a numeração das casas, que ao contrário do habitual vai subindo sequencialmente pelo lado direito das ruas até seu final e depois continua pelo outro lado na direção contrária até seu início.
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Portão da Terra Alta, construído no século XVI e acessado originalmente por ponte levadiça |
Esta via é chamada de Caminho Real, pois por ali passava o rei quando visitava a rica Gdansk vindo de Varsóvia (que assim como Cracóvia também possui uma rua com esse apelido). Repleto de restaurantes e bistrôs, o Caminho Real tem uma extensão de 550 metros, formando o calçadão principal da cidade.
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O Portão Dourado na Ulica Długa. Por trás, a Torre da Prisão. |
Uma característica que torna o Caminho Real uma via diferente é que em ambas as extremidades ele é fechado por prédios imponentes com aberturas no térreo, por onde originalmente passavam pedestres e carroças na época da cidade murada. No lado oeste existem dois destes chamados portões em sequência, o Portão da Terra Alta (Brama Wyzynna) de 1575, e o Portão Dourado (Złota Brama) de 1614. Entre ambos está uma construção mais alta, a Torre da Prisão, que séculos atrás era a presídio da cidade e incluía as habituais câmaras de tortura medievais. O Portão da Terra Alta atualmente sedia o Escritório de Informações Turísticas da Pomerânia.
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Ulica Długa com a torre da prefeitura |
A alta torre gótica que domina a paisagem do Caminho Real só poderia pertencer à antiga Prefeitura. Com 82 m de altura, é encimada por uma estátua do rei Sigismundo II, que governou o país por 24 anos no século XVI e é considerado um dos seus maiores estadistas. A estátua foi colocada lá ainda durante o reinado de Sigismundo. Situado exatamente no ponto onde a Ulica Długa se torna Długi Targ, o prédio foi erguido há quase 700 anos, sendo posteriormente ampliado e reformado. Hoje abriga o Museu Histórico, cujo maior destaque é o Salão Vermelho, onde as decisões do conselho eram tomadas, com sua decoração fabulosa nas paredes e no teto.
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... e a mesma rua vista do alto da Torre da Prefeitura (visão para oeste) |
Mas meu interesse maior ao adquirir o ingresso de 25 zlotys era subir ao topo da torre para apreciar a vista fantástica da cidade histórica para os quatro lados. A subida não é tão árdua quanto parece, pois a escada se inicia no último andar do museu, cujos andares têm pé-direito altíssimo. São pouco mais de 200 degraus e vale muito a pena, propiciando um ângulo diferente para vislumbrar a arquitetura mesclada de Gdansk.
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Długi Targ a partir da Torre da Prefeitura (visão para leste) |
A Długi Targ estava cheia a qualquer hora do dia, eventualmente com artistas se apresentando para angariar alguns trocados com o público. Nosso bom hotel, o IBB, se situava lá, com entrada por um beco lateral. O único senão foi o preço do café da manhã que dispensamos por acharmos caro, comendo num bistrô próximo na Ulica Długa.
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Malabarista iniciando exibição para os passantes na Długi Targ às 7 da noite. |
E exatamente na frente do hotel se situa o Monumento a Fahrenheit, apresentando um termômetro antigo de formato circular confeccionado alguns anos após seu falecimento. Pois é, nesse quarteirão nasceu em 1686 o famoso cientista alemão que inventou o termômetro a mercúrio e propôs a escala térmica que leva seu nome, hoje utilizada por ingleses e norte-americanos, entre outros. Daniel Fahrenheit tem uma história de vida singular - após ter se tornado órfão aos 16 anos quando seus pais ingeriram cogumelos venenosos, foi morar com um mercador de Amsterdã, onde iniciou os estudos em química e física. Acabou falecendo aos 50 anos devido a intoxicação pelo metal que o consagrou, o mercúrio.
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Monumento a Fahrenheit diante do hotel |
Ponto favorito de encontro dos habitantes na cidade histórica, a Fonte de Netuno enfeita a Długi Targ desde 1633. É muito difícil tirar fotos da estátua em bronze do deus grego dos mares sem ter uma multidão de gente ao seu redor dia ou noite. Há algumas lendas unindo a fonte à bebida típica de Gdansk, a Goldwasser ("água dourada" em alemão), feita com vodca, ervas e pequenos flocos de ouro de 23 quilates flutuantes - para quem não conhece a escala, 24 quilates equivalem ao ouro puro. Uma das lendas afirma que Netuno ficou tão furioso com a quantidade de pessoas que jogavam moedas em sua fonte que teria apontado seu tridente (exatamente a posição retratada na estátua) para as moedas e ao batê-lo contra a água as teria transformado no ingrediente diferencial do licor. Caso levemos a história ao pé da letra, Netuno deve ter ficado também indignado quando após séculos de tradição a produção da Goldwasser foi transferida há algumas décadas de Gdansk para uma cidade alemã.
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A Fonte de Netuno diante da Corte de Artur |
Em frente à Fonte de Netuno, uma construção com quatro estátuas dispostas na fachada branca trabalhada rouba a atenção. Trata-se da Corte de Artur, erguida no século XIV, com a frente gótica aparecendo cinco séculos mais tarde após um incêndio. O nome referencia o mítico Rei Artur, e era uma denominação habitual das sedes do gênero espalhadas pelas cidades da Liga Hanseática. A casa servia como ponto de encontro dos comerciantes ricos na época áurea de Gdansk, muitos habitando os prédios vizinhos. Hoje abriga um museu e seu salão imponente ainda é palco de eventos.
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A Corte de Artur na Długi Targ. O prédio branco à direita com quatro estátuas no teto é conhecido como Casa Dourada, uma das mais fotografadas pela sua fachada rebuscada. |
O Caminho Real (e claro, a Długi Targ) termina no Portão Verde (Brama Zielona), uma edificação também em estilo maneirista holandês à beira do rio Motława. Se você ficou com a impressão de que o prédio está mais para um palácio do que um portão, acertou em cheio. Inspirado na Prefeitura da belga Antuérpia, foi construído em 1578 para servir como residência aos reis poloneses, local bem apropriado aliás para a extremidade do Caminho Real. De verde o prédio também não tem nada, devendo seu nome à ponte sobre o rio, do seu outro lado. O Portão Verde hoje abriga exposições do Museu Nacional e no passado uma de suas salas era o escritório do ex-presidente Lech Wałęsa.
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Portão Verde visto do Długi Targ |
A Catedral
Bem perto da Prefeitura encontramos a enorme Catedral de Santa Maria, cuja torre rivaliza em altura com a da Prefeitura e também pode ser acessada por escadaria com quase o dobro de degraus. É uma das maiores igrejas em tijolo em todo o mundo. Sua construção levou mais de cem anos, sendo finalmente inaugurada em 1496, se alternando entre a fé católica e protestante à medida que Gdansk trocava de país. É intrigante que, tendo este tamanho descomunal, a igreja não possua muito espaço livre ao seu redor (como uma praça por exemplo), o que torna difícil obter fotos amplas da sua fachada.
Com interior até simples para suas dimensões, sua maior atração é o relógio astronômico de madeira, com 14 metros de altura e inaugurado em 1470. Afixado numa parede do templo, o relógio mostra além da hora as fases lunares e a posição relativa do sol e da lua com relação ao zodíaco. Ao meio-dia a igreja lota de turistas para assistirem ao espetáculo do carrilhão no relógio, iniciado pelos bonecos de Adão e Eva tocando o sino e seguido pela procissão dos Reis Magos e dos Apóstolos. Atrás, encerrando a cena, vem a figura da Morte.
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Apóstolos iniciam a procissão no carrilhão do relógio astronômico |
Dando fundos para a catedral, a Capela Real se destaca num estilo diferente, o barroco. Junto com a capela podemos apreciar o belo relógio externo em azul e dourado da catedral, assim como a moderna Fonte dos Quatro Distritos. O nome se refere ao ponto de encontro de quatro antigos distritos de Gdansk e apresenta quatro estátuas de leões agachados em tamanho real, um em cada ponta - o leão é considerado o animal protetor da cidade.
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Capela Real, o relógio externo da catedral acima à direita e três dos leões da fonte |
A rua por muitos considerada a mais emblemática de Gdansk conecta a catedral ao rio. A Ulica Mariacka ("rua de Maria") é marcada pelos pequenos pátios elevados na frente das suas casas, acessados por degraus com corrimão trabalhado. A rua é ainda conhecida por suas galerias e tendas que vendem âmbar, a resina fóssil abundante na região báltica utilizada na fabricação de objetos ornamentais.
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Ulica Mariacka com a catedral ao fundo |
Outras atrações no centro:
Fora do eixo do Caminho Real, um prédio me impressionou bastante. O Grande Arsenal (Wielka Zbrojownia) está localizado no final da primeira paralela e me lembrou as grandes construções públicas das cidades holandesas, tendo sido inclusive planejado por um arquiteto flamengo. Construído em 1600 junto aos muros da época, como o nome sugere serviu nos seus dois primeiros séculos de existência como uma instalação militar. A estrutura destacada na frente que lembra um poço com cúpula servia para transportar balas de canhão do porão onde eram armazenadas para o térreo. Hoje as instalações têm função bem mais pacífica, uma galeria de arte.
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Grande Arsenal |
Já uma outra construção me espantou pela sua utilização. Olhando o seu tamanho (26 m de altura) e teto para lá de inclinado, tive que confirmar no mapa para me assegurar que estava diante do Grande Moinho. A estrutura remonta aos tempos dos Cavaleiros Teutônicos, tendo surgido em 1350. Foi por séculos o maior moinho europeu, com 18 poderosas rodas d'água. O moinho fabricava 200 toneladas de farinha por dia, armazenada sob o telhado e deixou de funcionar somente em 1945. Como pista de que se tratava de um moinho, hoje só resta a corredeira do canal na sua lateral, aberto pelos Cavaleiros.
Se a fachada já era motivo para conhecer o Grande Moinho, há três anos ele passou a abrigar o Museu do Âmbar, antes localizado na Torre da Prisão. Não o visitei, uma vez que já tinha estado em outro museu que trata do tema em Vilnius, capital da vizinha Lituânia.
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Grande Moinho |
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Guilda dos Moleiros e a Ponte do Pão. Atrás, vislumbramos o telhado incomum do moinho. A torre mais atrás é a da Igreja de Santa Catarina. |
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Da esquerda para a direita, a antiga torre de vigilância Jacek, a Igreja de Santa Catarina e a torre do Mercado - três edificações seculares em tijolo vermelho nos arredores do moinho. |
No próximo post, continuamos a percorrer as atrações de Gdansk, conhecendo a orla do rio e rumando para o seu renomado Museu da Segunda Guerra Mundial.
⏩➧ Este é o segundo post da série sobre a viagem à Polônia realizada em maio de 2024. Para visualizar os demais e ver o roteiro completo, acesse o post Percorrendo a Polônia de Norte a Sul.
Postado por Marcelo Schor em 08.06.2025
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