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Paraty e seu casario colonial

 

Casas na rua Samuel Costa no centro histórico


          Cidade mais a oeste da badalada Costa Verde no Estado do Rio, Paraty agrada em cheio aos turistas. A cidade histórica totalmente preservada se destaca em meio à natureza exuberante das águas da Baía de Ilha Grande. Por incrível que pareça, Paraty custou a integrar o rol de Patrimônios da Humanidade da Unesco, sua inserção só ocorreu há seis anos.

Rua da Cadeia 


            Este estado de conservação incomum se explica pelo isolamento da área no passado, imprensada entre a montanha alta e o litoral recortado. Fundada em 1667, Paraty se destacou pelos inúmeros engenhos de cana de açúcar, com a tradição dos alambiques da região chegando até os dias atuais. Posteriormente foi porto importante por onde escoava o ouro de Minas Gerais (o caminho que sobe a serra hoje é trilha turística para caminhada, a Estrada Real também chamada de Caminho do Ouro) mas quando foi inaugurada uma nova rota de escoamento para o Rio de Janeiro, a cidade foi caindo no esquecimento, parando no tempo. 

Antigo prédio dos Correios que hoje abriga uma das cachaçarias que fazem a fama de Paraty


            Viajei de ônibus desde o Rio de Janeiro em trajeto que na ida demorou 4h45min. A estrada estava em condições excelentes, servida por pedágio eletrônico - cabines de cobrança são coisas do passado para todos os veículos. A jornada num domingo de manhã foi bem tranquila numa paisagem cênica tendo a Baía de Ilha Grande como fundo. Havia muitos jovens a bordo falando inglês, francês e espanhol, provavelmente tinham vindo para o Rock in Rio, que terminaria naquele mesmo dia. Aliás, em Paraty passei por muitos estrangeiros, era comum ouvir outros idiomas nas ruas do centro histórico. Uma placa que me chamou a atenção na lateral da rodovia foi a de demarcação de terras indígenas. Índios guaranis habitam as cercanias e vendem artigos típicos nas ruas de Paraty.

       Mas se a viagem de ida foi agradável, a de volta numa tarde de meio da semana pecou por dois grandes desvios para pegar ou deixar passageiros nas rodoviárias de Angra dos Reis e Itaguaí (o que não ocorreu na ida), além de termos enfrentado um engarrafamento monstro na Avenida Brasil ao chegar no Rio. Demorou muito mais que a de ida. E para culminar, descobri ao tentar tomar o VLT junto à rodoviária carioca que o sistema de bondes estava parado, sem energia...😒

Cais da cidade com a Igreja de Santa Rita


            A estação rodoviária de Paraty fica bem localizada a duas quadras da avenida principal do comércio, a Roberto Silveira, que termina três quadras adiante na boca do centro histórico. Dá para ir caminhando tranquilamente da rodoviária até lá. 

Rio Perequê Açu visto da ponte entre o centro histórico e a prefeitura


           Nos dias em que estive por lá, Paraty não estava muito cheia e se podia andar com  tranquilidade pelas ruas. O casario colonial de um ou dois pavimentos que compõe as 36 quadras que formam o centro histórico está muito bem conservado. O tráfego de veículos é proibido e as casas são sempre pintadas de branco, com um efeito em contraste com as janelas e portas pintadas em cores fortes.

Bandeirolas enfeitam a rua de Santa Rita


             A sensação mágica de volta ao passado é complementada pela iluminação em lampiões nas paredes, pelas carroças de doces tentadores em esquinas e pelo calçamento em pé de moleque, que abrange não só o piso da rua em si mas também as calçadas. E aqui reside o grande senão de uma visita ao  centro histórico - muitas vias apresentam o piso completamente desnivelado, sendo difícil avançar sem olhar para o chão; pessoas com deficiência de locomoção têm muita dificuldade para caminhar. Será que nesses casos não valia a pena restaurar pelo menos um dos lados das calçadas de forma a tornar mais seguro o passeio?

Sobremesa convidativa à venda na carroça da Rua do Comércio


              Para realçar ainda mais o colorido próprio da cidade histórica, as vias mais frequentadas estavam enfeitadas com bandeirolas em azul ou branco. Era ainda resquício da Festa da padroeira Nossa Senhora dos Remédios, que ocorre anualmente durante a primeira semana de setembro. 

          Algumas das fachadas das casas estavam sofrendo reparos, provavelmente preparando a cidade para seu evento maior anual, a feira literária Flip, que ocorreria dali a duas semanas, desta vez homenageando o escritor João do Rio, cronista do início do século passado. 


Cabeças de argila, cerâmica exposta junto ao Rio Perequê Açu


          Existem quatro igrejas espalhadas pela área do centro histórico. A maior, mais imponente e mais nova é a Igreja Matriz, situada na praça de mesmo nome numa localização estratégica junto ao rio. Aliás, a praça estava tomada por um grande palco certamente montado para algum show ocorrido no sábado; só consegui tirar a foto abaixo após o desmonte durante a semana. O nome oficial da igreja em estilo neoclássico é Nossa Senhora dos Remédios, frequentada pela nata da sociedade paratiense no final do Império.  O templo demorou 85 anos para ser construído e foi terminado em 1873 graças à contribuição de uma senhora rica filantropa que após sua morte batizou a Rua Dona Geralda, uma das transversais do centro histórico. Infelizmente as portas da igreja estavam fechadas sempre que eu passava pela praça. 

Praça e Igreja da Matriz

           A alguns quarteirões, agora de frente para a baía na Rua Fresca junto à foz do rio, está a Capela de Nossa Senhora das Dores. A simplicidade da sua fachada encanta, combinando totalmente com o branco do casario ao redor. Dois detalhes curiosos são o galo no topo que atua como catavento e a falta da torre da direita, jamais levantada. A igreja foi construída em 1800 pelas senhoras da aristocracia local. Só está aberta para visitação aos sábados, o que me impediu de conhecer seu interior.

Capela de Nossa Senhora das Dores

 

            Já a  Igreja de Santa Rita originalmente era frequentada pelos pardos libertos, sendo mais antiga. Erguida em 1722, é o cartão postal de Paraty. Hoje abriga em seu interior barroco um pequeno museu de arte sacra.

Igreja de Santa Rita em Paraty

             Ao seu lado a construção quadrada de um pavimento e paredes grossas dá pistas de sua função quando prestamos atenção às suas janelas, quase todas gradeadas. Sim, era onde ficava a prisão da cidade. Na realidade a casa é a única parte que sobrou do Forte de Patitiba, que existiu no local. Alguns canhões dispostos na orla das cercanias pertenciam ao forte.

Um dos canhões oriundos do Forte de Patitiba


             A última das quatro igrejas está localizada na rua com maior movimentação de pedestres, apropriadamente chamada de Rua do Comércio. A Igreja do Rosário foi estabelecida em 1725 e reconstruída em 1757, destinada aos escravos negros. Seu altar conta com detalhes em dourado, adicionados posteriormente.

Igreja do Rosário

O interior da igreja

 

             Na Rua do Comércio se situa um casarão peculiar, o Sobrado dos Bonecos, com alguns detalhes  como as telhas azuis e sacadas trabalhadas que o identificavam como residência abastada no século XIX . Os ditos bonecos, que eram cinco acima do beiral feitos de louça portuguesa, há muito sumiram. Nota-se uma porta maior que as demais em cor distinta, e que normalmente está fechada. Trata-se de um dos seis Passos da Paixão (e um dos dois originais). Estas portas só são abertas durante a procissão da Semana Santa, quando servem como oratório aos fiéis.

O Sobrado dos Bonecos com o Passo da Paixão mais alto que as demais portas

          Também ocupando um dos mais belos sobrados da cidade construído em 1754 na Rua Dona Geralda, encontramos a Casa de Cultura, sempre com mostras que merecem a visita. O espaço está aberto de terça a domingo entre 10 e 18h, sem cobrança de entrada mas com sugestão que seja efetuada doação. Quando estive lá havia uma interessantíssima exposição sobre a evolução de Paraty desde 1945 (ano em que se tornou monumento histórico fluminense) até os dias de hoje. 

Casa de Cultura

         Cada painel da exposição abrangia uma década e neles constatamos alguns dados curiosos; num é indicado que o piso desalinhado das ruas é em parte efeito de uma malsucedida obra de saneamento na década de 60. Já no primeiro dos painéis vê-se como Paraty era isolada antes da construção da rodovia Rio-Santos feita em meados dos anos 70, só dispondo até então de uma estrada até Cunha em péssimo estado. Com efeito, me lembrei da minha primeira visita à cidade ainda bem garoto em 1971, quando eu e minha família desembarcamos de um cruzeiro do navio Rosa da Fonseca em um barquinho para conhecer o centro histórico. Claro que me recordo muito pouco da experiência, mas ficou a impressão de um lugar muito pacato e deserto. Eu não tinha atentado para o fato, mas naqueles tempos o acesso pelo mar era praticamente o único jeito de os cariocas visitarem Paraty.... 

Nesta foto da Rua do Comércio ao entardecer, dá para notar o desnível grande do calçamento

           A pequena Praia do Pontal se encontra logo após a foz do rio Perequê Açu, acessada pela ponte que atravessa o rio. Não possui grandes atrativos, com barzinhos dispostos ao longo da orla e  barcos de pesca sobre a areia. Afinal, as praias mais bonitas estão longe do centro da cidade, alcançadas por passeios de dia inteiro com lancha ou escuna, vendidos por várias agências. Naquela hora da manhã a praia estava vazia, bem pacata .

Praia do Pontal.

          Da ladeira que se inicia no final da praia sai uma trilha curta de terra que leva ao Forte Defensor Perpétuo. Não é propriamente um forte, e sim uma bateria de canhões, estabelecida sobre o morro em 1822 no lugar de uma fortificação primitiva anterior, com a missão de defender a área de Paraty. Era a época da independência do Brasil e o recém-nascido império ainda enfrentava rebeliões em alguns estados. O Defensor Perpétuo homenageado não é outro senão Dom Pedro I e este título foi concedido por políticos em maio,  quatro meses antes da proclamação da independência.

Forte do Defensor Perpétuo


            O casarão do forte abriga um museu com entrada franca, aberto de quarta a segunda-feira. No museu conhecemos a história do forte, cuja missão defensiva nunca foi posta à prova, tendo as instalações sido desativadas após algumas décadas. Completam o conjunto alguns objetos da época. Há várias placas no jardim e na trilha de acesso indicando as árvores típicas da região, incluindo o pau-brasil. Pensei que o forte teria uma vista soberba para a cidade dada sua localização no morro, mas o panorama para esse lado é em sua maior parte obstruído pela vegetação. De qualquer forma, valeu a visita. 

Canhões ingleses no forte


       E no próximo post rumamos para a Polônia, percorrendo o país de norte a sul numa viagem de 13 dias.

 Postado por  Marcelo Schor  em 25.04.2025 


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