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Os gnomos de Wroclaw

Estátua de gnomo fotógrafo (seria também viajante?), apontando sua câmera para um gnominho dourado. 

             Um fator foi decisivo para eu ter me encantado tanto com Wroclaw, mostrada no último posr. A presença de inúmeros pequenos seres de metal espalhados pelas ruas da cidade me cativou. São os famosos gnomos de Wroclaw. 

Um dos mais conhecidos gnomos, este limpador de chaminés situado perto da Ópera é chamado de Florek, nome derivado de São Floriano, patrono da categoria.

E este misto de repórter e detetive?

              Os gnomos são centenas - a guia do walking tour mencionou que ultrapassavam mil, mas creio que estava exagerando, o número deve estar na casa dos setecentos. Seu número continua crescendo à medida que mais estatuazinhas são adicionadas nas calçadas. É praticamente impossível  não esbarrar neles quando se passeia pelas ruas e praças do centro. Estão até nos locais mais improváveis, como uma dupla de "gnomas" que habitam o mirante da torre da Igreja de Santa Maria Madalena, admirando diariamente o pôr do sol por detrás da Rynek. Com certeza uma das tarefas mais divertidas dos turistas é sair à caça dos anõezinhos para fotografá-los. 

Casal de gnomos apaixonados

Os bravos bombeiros a postos no pátio junto à Igreja de Santa Isabel

              Normalmente solitários, podem aparecer eventualmente em duplas ou até em grupos, como os músicos de uma banda. Há os que são tão populares que receberam nome próprio. Todos eles têm características em comum: usam gorro ou chapéu e não ultrapassam os 30 cm de altura. O minúsculo gnomo dourado da primeira foto do post bate o recorde de pequenez, mal dá para enxergá-lo. Geralmente são retratados exercendo um ofício, como bombeiro, padre e limpador de chaminé, ou então desenvolvendo alguma atividade. Alguns espantam pela originalidade, achei genial o gnomo acorrentado na janela gradeada da casa que serviu como prisão medieval.
 
Gnomo presidiário na janela da prisão medieval

Outro gnomo devidamente batizado: Caspar, o impressor


               Mas como começou esta obsessão por esculpir gnomos que os levaram a se tornar uma espécie de marca registrada de Wroclaw?  No início da década de 80, quando a Polônia estava sob lei marcial durante o período comunista, o grupo Alternativa Laranja bolou uma maneira de enfrentar o governo; entre suas ações silenciosas estava a pintura de grafites com gnomos onde o governo havia anteriormente apagado frases de protesto. O auge deste movimento foi uma marcha de apoio aos gnomos  ocorrida em 1988, quando milhares de pessoas trajaram o característico gorro na cor laranja. As estátuas dos gnomos surgiram então mais tarde, sendo a primeira inaugurada em 2001 como homenagem ao movimento Laranja. Este gnomo pioneiro aparece sobre um dedo humano e tem tamanho maior, sendo chamado agora de Papai Gnomo (alguém aí se lembrou dos Smurfs?). Em 2005 cinco gnomos adicionais foram instalados, dando início à moda que tomou conta da cidade. 

Gnomo motoqueiro, posicionado junto aos degraus da Igreja de Santa Maria Madalena

Este aí, com apito e balão de aniversário, está pronto para festejar. 


            E a cada setembro durante um final de semana acontece o Festival de Gnomos, com uma grande parada na Rynek e muitas pessoas fantasiadas, para alegria da criançada. É a versão de carnaval existente em Wroclaw.  
                     
Instalada na Praça Solny em frente à Rynek, esta me deixou intrigado: seria uma pregadora viking??

Este gnomo está apropriadamente localizado na rua que sai da Ponte da Catedral, antes conhecida pelos cadeados dependurados

             Num beco perto do gnomo presidiário um grupo de esculturas de animais também de metal nos faz remeter a alguma fazenda idílica, mas o seu propósito é bem mais sério. A gansa com ovo, frango, cabrito, uma dupla de porcos e coelho, cada animal feito por escultor diferente, estão posicionados onde se localizava o abatedouro medieval. O título da obra não deixa margem a qualquer dúvida: "Monumento aos Animais Abatidos".

Os Animais Abatidos na rua Jatki

            Ainda no quesito de esculturas bacanas ao ar livre, no caminho a pé para a estação ferroviária topamos com um conjunto de estátuas bastante original, situadas na esquina da Pilsuedsko, a avenida da estação, com a Swidnica, por coincidência o nome da cidade onde iríamos passar o dia. Os Passantes Anônimos  estão instalados de cada lado da esquina. Num lado sete pessoas vão afundando na calçada, parecendo descer para uma passagem subterrânea invisível; no outro lado sete surgem da calçada. Não é à toa que as estátuas têm o título alternativo de Passagem, As roupas das esculturas de bronze remetem aos anos 70, mas o conjunto foi inaugurado na madrugada de 13 de dezembro de 2005. A data marcava o 24º aniversário da declaração no país da lei marcial que durou um ano e meio, o que suscita todo tipo de metáfora envolvendo a obra.  

Os Passantes Anônimos afundando na calçada em um lado da esquina...

... enquanto outros transeuntes brotam em frente. 


            Assim como Gdansk, Wroclaw foi uma cidade que me deixou boas recordações gastronômicas. Na Rynek jantamos no Restaurante Karczma (designação para taverna em polonês). Lá pedi um caldo com kolduny, uma espécie de consomê com legumes e grandes bolinhos feitos com farinha e ovo recheados com carne,  muito apreciados na Lituânia e Polônia e aparentados do pierogi e do ucraniano varenike. O caldo à moda eslava servido numa bela louça estava bem saboroso. 

Caldo com kolduny no Kaczka 

           Já no dia em que fizemos o walking tour que se encerrou na Ilha da Catedral, almoçamos no  Targowa, restaurante fronteiro ao rio Oder no mercado municipal. Uma vez que Wroclaw foi por muitas décadas uma cidade alemã, nada melhor que experimentar meu prato favorito quando viajo à Alemanha, o wienerschnitzel.  Este veio com um ovo estrelado por cima e com uma novidade - ao invés da tradicional batata frita, batatas calabresas (detalhe: muitas estão escondidas na foto, sob o bifão à milanesa). Matei minha saudade do prato. Dias depois a caminho do Brasil fizemos escala por três dias em Munique; claro que lá tracei novamente um schnitzel, mas ficou a dever para seu similar polonês.

O wienerschnitzel do Targowa

          Deixei para mencionar por último uma atração que teria tudo para me agradar, mas que infelizmente foi uma decepção: o Panorama de Racławice (lê-se ratsuavitse). Sou fã deste tipo de pintura bem popular no final do século XIX, que envolve o espectador mesclando tela grande com objetos reais e que apresenta um cenário de batalha ou paisagem natural. Eu tinha adorado os panoramas da holandesa Haia e da suíça Lucerna, e portanto incluí sua visita em nossa agenda. Como estava bem nublado no dia em que chegamos a Wroclaw vindos de Torun, achei que seria ideal para conhecer o panorama. Ao chegar no guichê da atração, situada a um  quilômetro a leste da Rynek (é o número 4 no mapa que consta no último post), fomos surpreendidos - os ingressos já estavam esgotados para aquele dia; adquirimos então para a manhã do dia em que deixaríamos Wroclaw.

         Na hora marcada, lá estávamos nós em meio a uma multidão de adolescentes estudantes. O panorama retrata uma cena da Batalha de Racławice, travada em 1794 entre russos e poloneses, e claro, ganha pelos últimos, que tiveram à frente Tadeusz Kościuszko, considerado herói nacional e que nomeia uma rua carioca perto da Lapa. Apesar da vitória, logo depois a Polônia sumiria do mapa, repartida entre Rússia, Prússia e Áustria. O panorama cumpre bem sua função, e dá para confundir os elementos da tela rodeando o espaço central com objetos reais colocados mais perto dos espectadores. 

A batalha épica representada no Panorama Racławice

                 A história da tela de 114 metros de circunferência por 15 de altura e concebida no centenário da batalha em 1894 é atribulada. Originalmente exposta na cidade de Lviv, a tela foi trazida para Wroclaw após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando Lviv passou ao domínio ucraniano, obrigando seus habitantes a migrarem para o oeste, em especial para Wroclaw. O prédio onde estávamos foi construído especialmente para abrigar a tela enorme, fazendo jus à sua fama, mas houve um problema político. A Polônia fazia parte então da Cortina de Ferro e o governo comunista do país não viu com bons olhos a exibição de uma pintura em que os russos eram derrotados pelos poloneses. Como resultado, a tela ficou guardada por muito tempo em algum porão e só pôde ser apreciada novamente pelos poloneses a partir de 1985, tempos da Glasnost comandada por Mikhail Gorbatchov.

Outro aspecto do panorama. Os paus e o cercado de tijolo são reais, se integrando à tela atrás e criando um efeito realista. 

           OK, se a tela é interessante e faz jus ao conceito dos panoramas, onde estava o problema? Acontece que nos panoramas anteriores eu estava livre para andar pelo recinto e apreciar a pintura como melhor me conviesse, permanecendo quanto quisesse. Além do mais, havia poucos visitantes. Em Wroclaw não, mais parecia uma sessão de cinema; o recinto fechado estava bem cheio e um locutor começou a narrar os acontecimentos retratados em polonês no alto-falante. Acho até que devia haver fones com tradução em inglês, mas a atendente não os ofereceu a ninguém (acho que pensaram que também éramos poloneses). À medida que a narração prosseguia, a multidão de estudantes, alguns interessados e outros entediados, se locomovia para o trecho da tela mencionado, provavelmente estavam explicando em detalhe as cenas retratadas na batalha. Esta situação incômoda levou uma meia hora. Realmente não aconselho realizar a visita ao Panorama de Racławice, devido ao tempo gasto e ao custo, 50 zlotys. No entanto o ingresso dá direito à entrada em outros três museus, que acabamos não conhecendo.  


          Quem acompanha meus posts sabe que sempre gosto de incluir em cada roteiro um local pouco visitado pelos brasileiros. No próximo post conheceremos então Świdnica, onde está localizado mais um Patrimônio da Humanidade na Polônia. 

⏩➧ Este é o oitavo post da série sobre a viagem à Polônia  realizada em maio de 2024. Para visualizar os demais e ver o roteiro completo, acesse o post Percorrendo a Polônia de Norte a Sul.
             

  Postado por  Marcelo Schor  em 23.10.2025   



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