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O castelo mouro medieval de Silves

 

Vista geral de Silves, se destacando a Sé e o castelo

           Um destino menos conhecido no sul de Portugal, Silves é uma linda cidade histórica que visitei num bate-volta realizado na última tarde da minha estadia em Lagos. A cidade de somente 10.600 habitantes possui algumas diferenças em relação às demais que conheci no Algarve: ela fica no interior da região, longe do mar, e possui um castelo no alto do morro dominando a paisagem digna de pintura .

           Silves é antiquíssima, tendo sido a capital do Algarve na época dos mouros, com o nome de Xelb. Foi conquistada ainda no final do século XII pelas forças de  Dom Sancho I, o segundo rei de Portugal, que humilharam e enxotaram a população árabe refugiada no castelo. Mas a alegria dos lusos durou pouco, os mouros conseguiram retomar a cidade dois anos depois, somente sendo expulsos em 1249, desta vez em definitivo. Silves era na época moura uma cidade bem importante, alcançando 30.000 habitantes. O Rio Arade, via de transporte vital para os negócios locais, assoreou e a decadência foi inevitável a partir de então. .

Estátua de Sancho I na entrada do Castelo de Silves


             Mesmo estando situada no interior, Silves é servida pela linha férrea que cruza o Algarve - olhando o mapa, a ferrovia traça um arco para passar pela área. O trem vindo de Faro passou por ela rumo a Lagos. Quando na ocasião o trem parou em Silves, fiquei espantado com a estação completamente deserta: ninguém embarcou ou desembarcou, a plataforma estava totalmente vazia. 

Aproximando-me de Silves pela estrada

 

           Como visitei Silves num sábado, os horários dos trens eram mais escassos (para registro, Silves está na rota dos ônibus que ligam Lagos a Lisboa, mas aparentemente não se vendem passagens de Lagos para Silves, somente de Silves para Lisboa, portanto a única opção direta disponível era mesmo a ferroviária). Como estava prevista chuva forte para a noite em toda a região, não quis arriscar a sorte e resolvi retornar no trem das 17h29min, me deixando  menos de três horas e meia de permanência por lá.

           E quando desembarquei naquela tarde encoberta, a situação se repetiu - fui o único a descer e novamente não havia pessoas na estação naquela hora. Eu sabia que a estação se localizava um pouco longe do centro, uns dois quilômetros, e entre pedir um táxi (não havia nenhum do lado de fora, igualmente deserto) e caminhar, preferi a segunda opção, perguntando um pouco mais adiante a um morador que fumava na calçada se o rumo que eu seguia era correto. Confirmado meu senso de direção, prossegui pela estrada até chegar à cidade.

                 No final das contas, a caminhada saudável a pé me proporcionou uma surpresa fantástica. Na porção final do percurso a cidade apareceu ao longe em toda sua beleza e à medida que me aproximava os detalhes iam surgindo no cenário - o castelo acima, a igreja, o Rio Arade, a ponte e o casario branco compondo em conjunto a cidade idílica. Certamente se tivesse escolhido o táxi, veria a paisagem de relance, sem a oportunidade de tirar fotos.

Ponte Romana

 

           Um dos marcos de Silves é a chamada Ponte Romana (não confundir com a ponte homônima de Tavira, que conheci quatro dias antes). Como sua congênere tavirense, ela é muito mais recente do que o nome indica, datando do século XV. Para meu desapontamento ao me aproximar da ponte para atravessá-la e entrar na cidade, vi uma placa plantada no seu início que indicava travessia proibida. Lamentável, depois verifiquei na internet que a ponte foi interditada em 2016 por "risco iminente de colapso". A alternativa era dar a volta e seguir pela ponte rodoviária a algumas centenas de metros rio acima. 

Porta da Vila
        

/          Já no centro de Silves, o objetivo era chegar ao castelo no topo. Logo passei pela Porta da Vila, cujo outro nome Porta de Almedina já fornece pista da sua existência nos tempos árabes. A porta era a entrada principal da cidade, uma das 17 torres da muralha que cercava Silves. A passagem no térreo tem o formato curioso de cotovelo, uma tradição no califado para dificultar o acesso.  Em séculos mais recentes ali funcionou a Câmara. Ao lado da porta está o Museu de Arqueologia, construído em torno da antiga cisterna e que apresenta objetos recuperados em escavações na área. 

Rua da Sé


            Após atravessar a Porta por seu  cotovelo, subi pela Rua da Sé, que me levaria direto ao castelo. No meio do caminho está a imponente , construída no século XIII onde antes existia uma mesquita. Devido à sua posição mais elevada, a igreja de Santa Maria da Sé pode ser vista de bem longe, da mesma forma que o castelo. Denotando a importância de que um dia Silves gozou, a igreja foi a catedral sede da diocese até sua transferência para Faro no século XVI.  Dignos de nota são o pórtico de entrada com camadas arqueadas e os gárgulas na fachada posterior, alguns dos elementos góticos que enfeitam o templo. 

A Sé em Silves

            O fim da Rua da Sé nos deixa no largo de entrada do Castelo de Silves, todo construído em arenito vermelho, mesmo material da Porta da Vila e da Sé e que dá à cidade uma característica diferenciada. Ocupando uma posição estratégica para vigilância, o castelo é um dos maiores exemplos de arquitetura militar moura que restaram. Existente pelo menos desde o século X, foi o centro de governo e das atividades da cidade durante a época áurea no período em  que era dominada pelos árabes.  

Torre do Castelo de Silves, vista da entrada


            As imponentes muralhas e as onze torres do castelo foram restauradas ao longo do século passado e algumas das torres têm nomes curiosos como Torre do Segredo e Torre das Mulheres. Também intrigante é um segundo portão oposto ao principal, bem mais discreto,  conhecido como Porta da Traição, e que teria servido como meio de acesso durante invasões. 

           Porém se o envoltório da fortaleza está bem cuidado, em contraste o interior propriamente dito   está completamente em ruínas, tendo ruído progressivamente à medida que se sucediam os saques, incêndios e principalmente os vários terremotos. As paredes remanescentes se elevam somente a alguns centímetros do solo. 

Pequeno trecho apresentando como seria a decoração original da fortaleza árae

       Já a parte subterrânea sobreviveu aos saques e terremotos, e a cisterna grande, chamada de aljibe, está conservada e pode ser visitada. Com suas abóbadas curvadas no teto, é um exemplo característico da arquitetura moura. Não custa recordar que no século XII os mouros foram vencidos justamente pela sede, sendo então expulsos nus da cidade pelos cristãos contra os quais resistiram por muito tempo. Ao reconquistarem o castelo dois anos depois sua ´primeira providência foi justamente construir uma cisterna enorme, que garantiu o armazenamento de área para o castelo e grande parte da cidade. Com efeito, a cisterna com capacidade para 1,3 milhão de litros serviu como reservatório de Silves até trinta anos atrás. 

             Em meio às ruínas, uma construção abriga o bom restaurante do complexo, onde almocei um torteloni já com a tarde avançando. 

Detalhe da muralha do castelo

            Nas ruas no entorno da Sé acontece a Feira Medieval, evento que lota as ruas de Silves por dez dias durante a primeira quinzena de agosto. A feira relembra os dias áureos dos séculos XI a XIII, com barracas tomando o calçamento antigo, com seus donos devidamente paramentados com vestimentas medievais e apresentando ainda encenações, além de atividades de dança e música.

            Fiquei surpreso ao verificar que a festa de 2019 teve temática viking. Como assim? Pois é, o  Arade foi palco no ano 966 de uma batalha fluvial onde uma esquadra de dezenas de barcos vikings saqueadores oriunda de Lisboa (!!) foi rechaçada pela frota do Califado de Córdoba, que usou projéteis incandescentes lançados por catapulta. Depois deste vexame, os guerreiros nórdicos jamais retornaram ao Algarve. Confesso que nunca tinha ouvido falar deste capítulo singular da História portuguesa..


           Para terminar,  minha precaução de retornar no trem vespertino se provou acertada. Ao pegar o táxi para a estação no ponto de ônibus na avenida às margens do rio, os pingos começaram a cair, e enquanto esperava o trem, a chuva apertou. Mas finalmente pude ver a plataforma da estação com gente, aguardando a chegada da composição  devidamente abrigados sob o toldo. 

            Silves foi então um fecho diferente e muito satisfatório da semana passada no Algarve.


⏩➧    Este é o quinto e último post  da série sobre a viagem ao Algarve  realizada em outubro de 2023. Para visualizar os demais posts da série, acesse aqui

 Postado por  Marcelo Schor  em 07.03.2025 


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