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Lagos, a cidade dos Primeiros Descobrimentos

 

Após mais uma chuva, o arco-íris enfeita a paisagem do calçadão da Avenida dos Descobrimentos


        A encantadora Lagos foi uma surpresa na minha viagem ao Algarve. Eu já esperava me deslumbrar com suas famosas praias oceânicas encravadas nas falésias, mas encontrar também uma cidade  com várias atrações históricas foi um adendo muito bem-vindo. 

Caravela Boa Esperança ancorada no rio Bensafrim, réplica das naus portuguesas do século XV.


             Lagos remonta ao núcleo fundado há cerca de 4.000 anos que atendia pelo nome Lacóbriga. Aliás, desta denominação primitiva deriva o termo com que seus habitantes são conhecidos nos dias de hoje - lacobrigenses. Lagos foi ocupada ao longo do tempo por diversos impérios que incluíram cartagineses, romanos e muçulmanos, até ser conquistada pelo português Afonso III em 1241, abrindo caminho para a tomada de outras cidades algarvias. Dois séculos depois se tornou o centro das atenções ao se tornar ponto de partida de esquadras portuguesas no início da Era dos Descobrimentos. Foi capital do Algarve até o terremoto e tsunami de 1755 que a devastaram, com a consequente transferência do poder para Faro. 

A ponte levadiça de Lagos, com a marina ao fundo à esquerda

             A cidade de 27.000 habitantes localizada na parte oeste do Algarve ao longo da foz do rio Bensafrim me pareceu até maior, com um centro histórico composto de casas brancas mais extenso que as cidades que tinha visitado nos dias anteriores, Faro e Tavira. Hospedei-me por quatro noites no ótimo Hotel Lagos Avenida, cuja localização era ímpar - diante do rio e da marina com vista fantástica, a pouca distância da estação ferroviária por onde cheguei e ao lado da rodoviária, com o centro histórico a algumas quadras. Teria sido tempo mais do que suficiente para conhecer a cidade não fosse o clima  imprevisto - sol e chuva às vezes bem forte se alternavam a toda hora, forçando a um replanejamento frequente das atividades e acarretando alguns cancelamentos. 

Ponte e marina vistas do terraço do hotel


              O trem vindo de Faro pela única linha ferroviária que atravessa o Algarve levou 1h35min em seu trajeto, que passou por áreas semidesérticas e por muitas salinas ao se aproximar de Lagos. Ao sair da estação e tentar atravessar a ponte sobre o rio em frente ao hotel, fui detido por uma pequena multidão aguardando na cabeceira da ponte. Em seguida ela começou a se levantar. Foi a primeira surpresa logo na chegada, era uma ponte levadiça e estava abrindo passagem para um barco maior que seguia rumo ao mar. A ponte de pedestres, bem elegante por sinal, une ainda a cidade à marina fluvial ampla e moderna, construída há 30 anos e um dos cartões postais de Lagos. Dali e de seus arredores saem os barcos de passeio para as praias.

Marina em final de tarde com a cidade ao fundo


         O centro histórico parcialmente circundado por muralhas se alonga pela margem direita do rio Bensafrim.  A Avenida dos Descobrimentos  (onde está situado o hotel) acompanha o rio desde sua foz no Atlântico até após a marina. Era ótimo voltar do centro por seu calçadão cênico junto ao rio canalizado e ladeado por palmeiras, uma caminhada bem relaxante.

Vaquinha portuguesa plantada diante de loja na Praça Gil Eanes, onde se situa o escritório de turismo


           Fiquei admirado como Lagos estava lotada de turistas em sua maioria estrangeiros em pleno outono europeu, quantidade bem maior que as encontradas em Faro ou Tavira. Igualmente impressionante também é a quantidade de restaurantes existentes no centro, em algumas ruas é um atrás do outro, abrangendo todas as especialidades e quase sempre cheios à noite. 

Rua 25 de Abril, rua de pedestres que leva à Praça do Infante, com vários restaurantes, vazia no início de uma manhã. 

 
Porta bem ornamentada numa esquina da Praça do Infante


 
           As atrações mais importantes estão situadas no entorno da Praça do Infante, em frente ao rio.  O homenageado não é outro senão o Infante Dom Henrique, que aparece sentado altivo numa estátua em bronze na praça. Filho do rei João I e sobrinho de Henrique IV da Inglaterra, este príncipe nunca foi monarca, mas teve importância enorme na História de Portugal. Foi sob sua tutela e organização em Lagos (onde residiu) que se iniciou a Era dos Descobrimentos no século XV, com a descoberta entre outros dos Açores e da Ilha de Madeira, dando o pontapé para as expedições além-mar para Ásia e Brasil que viriam após sua morte em 1460. O Infante teria sido também o responsável pela criação da famosa Escola de Sagres para formação de navegadores, mas nos últimos tempos historiadores têm colocado a existência do estabelecimento em dúvida. 

Estátua do Infante Dom Henrique, inaugurada no quinto centenário de seu falecimento.


          Mas o local também apresenta um lado sombrio das realizações do Infante Dom Henrique. Num dos lados da praça está o antigo Mercado de Escravos, hoje abrigando um pequeno museu. O mercado foi estabelecido pelo próprio infante em 1441, algum tempo depois de ter trazido os primeiros escravos africanos a Lagos para trabalharem para ele. Significativamente, o nome original do largo era Praça do Pelourinho. 

Antigo Mercado de Escravos. À direita, o prédio da Messe  Militar (em português europeu, refeitório de oficiais).

            Já no outro lado da praça se destaca a Igreja de Santa Maria do Castelo. E onde está o dito castelo, que era a sede do poder no Algarve? Quase nada sobrou do Castelo dos Governadores que existia desde o domínio árabe, apenas uma parede situada em recuo ao lado da igreja. Uma das duas janelas remanescentes foi palco de um momento histórico: segundo a tradição foi dela que o rei Sebastião I discursou para suas tropas em 1578 antes de embarcar para tentar a conquista do norte africano. Tinha início uma empreitada de triste memória, que resultou na morte do jovem rei e de 8.000 soldados em batalha perto de Tânger no Marrocos. O falecimento imprevisto de Sebastião I aos 24 anos teve consequências desastrosas para o país - por falta de herdeiros ao trono, Portugal caiu sob domínio espanhol por 60 anos a partir de 1580 durante a chamada União Ibérica. 

Igreja de Santa Maria do Castelo na Praça do Infante

 
       Cinco anos antes do seu discurso derradeiro, Sebastião I elevou Lagos ao status de cidade, e ele também mereceu uma estátua na Praça Gil Eanes (este por sua vez foi um navegador português da época do Infante). A estátua foi inaugurada em 1973, ano do quadricentenário da elevação a cidade.  
 
A polêmica estátua de Dom Sebastião I na Praça Gil Eanes


           Mas se a estátua do Infante Dom Henrique transmite sobriedade e poder, a de Sebastião I tem o efeito contrário, dificilmente quem não sabe do homenageado diria que se trata de um soberano português, ainda mais morto em combate. A obra foi realizada pelo escultor João Cutileiro, falecido há quatro anos e conhecido em  Portugal pelos seus trabalhos modernos e eventualmente controversos.

A rua Henrique Correia com a Igreja de Santo Antônio ao fundo


           Subindo a pitoresca rua Henrique Correia a partir da Praça do Infante alcançamos a igreja mais visitada de Lagos, a Igreja de Santo Antônio. Quem vê a fachada simples leva um susto ao adentrar a pequena nave, ela é toda revestida de entalhes de madeira dourados com destaque para os muitos anjos esculpidos nas paredes, numa riqueza ofuscante. Como a igreja foi eregida em 1707 e reconstruída após o terremoto, muito possivelmente este ouro todo veio do Brasil. Na antiga sacristia encontramos o Museu Municipal, que dá acesso ao templo e que apresenta uma coleção de objetos relacionada à história da cidade . O ingresso valeu principalmente pela igreja,  imperdível. 

O interior da Igreja de Santo Antônio

         A parede remanescente do castelo dá início a um trecho conservado da muralha medieval dos primeiros tempos do domínio português. Podemos acompanhá-la seguindo pela Avenida dos Descobrimentos até chegar ao Arco de São Gonçalo, cuja porta dá acesso à parte mais velha da cidade histórica. Ali as ruas de calçamento antigo são estreitas e bem tranquilas, parecendo muito longe do burburinho da parte mais agitada de Lagos. O trecho mais extenso da muralha se situa na parte de trás do bairro antigo, com alguns baluartes para defesa que sobreviveram. 

Porta de São Gonçalo entre  duas torres albarrãs da muralha medieval
          

     No próximo post continuamos a passear por Lagos, percorrendo então sua orla marítima desde o Forte da Ponta da Bandeira, passando pelas praias e falésias até alcançar a indescritível Ponta da Piedade.

Painel de azulejos em fachada de casa no centro antigo


⏩➧ Este é o terceiro post da série sobre a viagem ao Algarve realizada em outubro de 2023. Para visualizar os demais posts da série, acesse aqui


 Postado por  Marcelo Schor  em 17.01.2025 


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