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| A Ponte Romana cruzando o rio Sequa/Gilão |
Tavira é uma cidade histórica de 16.000 habitantes situada no leste do Algarve na região conhecida como Sotavento, a somente 22 km da fronteira entre Portugal e Espanha. Com um centro antigo bem conservado, é uma opção excelente de bate-volta a partir de Faro, onde eu estava hospedado.
A cidade remonta pelo menos ao século IV, quando foi fundado um assentamento romano, mas há até vestígios de uma ocupação fenícia anterior. Tavira foi habitada durante cinco séculos pelos mouros, quando floresceu até ser conquistada em 1242 pelos cristãos portugueses. Como porto próximo à costa marroquina, se expandiu até se tornar a localidade mais habitada do Algarve na época dos descobrimentos. Começou a perder importância nos séculos seguintes, com o assoreamento do rio Gilão e a perda de interesse dos portugueses pelo norte africano, até que veio o terremoto de 1755 arrasando Tavira assim como as demais cidades do Algarve. Mas a cidade sobreviveu e sua economia atual é baseada na pesca e principalmente no turismo.
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| Sobrados ao longo do rio Gilão |
E nessa época de outono os turistas vêm para caminhar sem pressa pelas ruas históricas, apreciando o casario antigo branco erguido após o terremoto e parando para notar os detalhes trabalhados das janelas, sacadas e portas, além dos muros de pedra que outrora cercavam o castelo. Já no verão podem ainda aproveitar as afamadas praias da Ilha de Tavira, que acompanha a costa do Atlântico junto à foz do rio e pode ser alcançada saindo do centro por ônibus e em seguida balsa.
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| A simpática e centenária estação ferroviária de Tavira |
. A partir de Faro podemos chegar a Tavira por ônibus ou trem. A estação rodoviária se localiza no centro junto ao rio, mas preferi viajar por trem, mais rápido e rústico. O trajeto leva 38 minutos na linha que cruza todo o Algarve e que utilizei para percorrer toda a província, unindo as quatro cidades que visitei. Como muitas estações da Linha do Algarve, a de Tavira conta com um toque bem português, sua identificação no alto é feita em azulejos brancos com letras azuis. Também chama a atenção na estação inaugurada em 1905 a chaminé alta e trabalhada, outra característica que dá um charme adicional às casas algarvias.
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| Estátua na porta da estação homenageando o emigrante algarvio |
A estação de trem dista 800 metros da Praça da República, em caminhada agradável por uma avenida arborizada. A praça é o largo central que dá acesso aos dois conjuntos de atrações de Tavira - o rio com a ponte romana e a cidadela antiga murada. É na praça triangular que se situa o escritório de turismo, onde vale a pena passar para pegar o folheto do mapa colorido detalhado das ruas e atrações da cidade, disponível em todos os locais que visitei no Algarve.
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| Praça da República e o Memorial aos Combatentes da Grande Guerra (como era chamada a Primeira Guerra Mundial quando o monumento foi inaugurado em 1932). |
Ligando a Praça da República à outra margem do rio está um dos marcos da cidade, a romântica Ponte Romana. A ponte não é tão velha assim, tendo sido construída em 1667 no lugar de outra ponte provavelmente datada do século XII. A denominação enganosa vem da estrada romana que passava pela área ligando Faro à atual cidade fronteiriça de Castro Marim. Hoje reservada a pedestres, a Ponte Romana está apoiada sobre pilares de pedra e encanta os visitantes com seus sete arcos. Na alta temporada se torna mais alegre com a presença de músicos mostrando sua arte ao vivo nas várias reentrâncias que convidam a uma parada para apreciar a vista para os casarões ribeirinhos.
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| A Ponte Romana |
A Ponte Romana tem uma função geográfica atípica - serve como limite para a troca de nome do rio que atravessa Tavira. Da nascente 55 quilômetros antes até a ponte o curso d'água se chama rio Sequa, mas no curto percurso da ponte até a foz seu nome já é rio Gilão, sua denominação mais conhecida quando o associamos à cidade. Conheço alguns casos de rios cuja denominação muda quando recebem um afluente grande, como é o caso do Solimões que se torna Amazonas, mas rio que muda nome após passar por uma ponte, foi a primeira vez. E como o lugar abriga uma ponte há quase mil anos, é bem capaz de ela sempre ter sido a divisora da nomenclatura.
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| Cidade antiga a partir da Ponte Romana |
E é claro que este fator inusitado inspiraria uma lenda saborosa, com uma narrativa meio manjada mas adaptada às características da História local e facilitada pelo gênero distinto das duas denominações. Era uma vez o cavaleiro cristão Gilão, que se apaixonou perdidamente pela princesa moura Sequa. Sendo de religiões diferentes, seu amor era proibido na época e eles se encontravam secretamente na calada da noite na Ponte Romana. Até que um dia foram surpreendidos num destes encontros pelas duas facções rivais, uma em cada margem do rio. Desesperados e certos de serem acusados e mortos por traição, o casal de enamorados se atirou nas águas do rio, cada um para um lado, passando cada lado a ser designado pelo nome dos trágicos pombinhos.
⇨ Confira nesse post uma lenda similar sobre a origem das lindas lagoas das açorianas Sete Cidades, uma de águas verdes e a outra de águas azuis.
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| Rua Dom Paio Corrêa, viela típica da cidadela em Tavira |
Da mesma forma que Faro, a parte mais antiga de Tavira está situada sobre uma pequena colina, parcialmente rodeada por muros, e repleta de vielas para se vagar apreciando o casario tradicional. Até o nome informal é o mesmo, Vila Adentro. A partir da Praça da República, o acesso é bem fácil, por uma ladeira que se inicia na Porta D. Manuel I. Rei que deu a carta de cidade a Tavira, é mais conhecido dos brasileiros pelo apelido D. Manuel, o Venturoso - para quem não se recorda dos tempos escolares, foi ele que patrocinou a esquadra de Pedro Álvares Cabral que viria a descobrir o Brasil. O brasão do rei está gravado acima do arco da porta.
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| Altar da Igreja da Misericórdia |
A curta ladeira termina diante da Igreja da Misericórdia, cuja decoração merece toda a atenção, Seu interior se destaca pelo vistoso retábulo dourado e pelos 14 belos painéis de azulejos executados em 1760 apresentando motivos religiosos. A igreja em si, considerada o maior monumento renascentista do Algarve, data de 1551.
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| Vista parcial dos painéis de azulejos na Igreja da Misericórdia |
Se a Igreja da Misericórdia é uma das inúmeras construções do século XVI, causa um certo espanto constatar que a um quarteirão de distância podemos encontrar poços rituais fenícios de dois mil anos antes. Eles estão localizados no átrio do Palácio da Galeria. um casarão barroco hoje transformado em museu. Acredita-se que os poços eram dedicados a Baal, deus fenício das tempestades e também da fertilidade.
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| Entrada do Palácio da Galeria |
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| Os jardins do castelo |
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| Muros do castelo com a Igreja de Santa Maria e a caixa d'Água da Câmera Obscura por trás |
Ao se apreciar o casario da cidade a partir dos muros do castelo dá para percebermos bem uma das características mais marcantes de Tavira, os telhados de tesoura. São telhados de quatro águas muito inclinados, chegando às vezes a parecer minipirâmides. Devido à grande inclinação, ocupam uma área pequena e casarões maiores têm vários em sequência, cada um cobrindo um cômodo. Um dos casarões onde podem melhor ser apreciados é o próprio Palácio da Galeria.
Talvez a atração mais singular de Tavira seja a que está instalada dentro da torre da antiga caixa d'água hoje desativada, perto do castelo no ponto mais alto da colina. Trata-se da Câmera Obscura, um dispositivo inventado há séculos para reproduzir imagens invertidas através de um espelho. Há algumas dessas câmeras primitivas espalhadas pelo mundo que se converteram em atração turística. A de Tavira consiste numa câmera colocada no topo da torre da caixa d'água que engloba uma vista completa do centro histórico ao girar em 360º. As imagens são rebatidas num grande prato horizontal dentro da caixa com os visitantes ao seu redor, enquanto um atendente vai detalhando as construções que aparecem na imagem rebatida. Funcionamento interessante, uma espécie de precursora da máquina fotográfica utilizada no passado por mestres como Leonardo da Vinci. A entrada custou €5. Valeu mais pela curiosidade histórica e pela criatividade no reúso turístico da caixa d'água então sem função.
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| Restaurante Beira-Rio |
Almocei na beira do rio num restaurante cujo nome não podia ser mais objetivo: Beira-Rio. Já o nome da rua às margens do Rio Sequa é saboroso: Bordas d'Água da Asseca. E convenhamos, Asseca me parece um nome bem mais português que Sequa. O local era ótimo, uma mesa ao ar livre debaixo de um grande guarda-sol com a bucólica paisagem fluvial. Já a refeição veio sem arroubos culinários, um frango. Ainda bem que eu não estava com pressa, a conta demorou bastante para chegar.
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| Painel de azulejos na estação |
Enquanto esperava a chegada do trem de retorno na estação, pude reparar no belo painel de azulejos numa parede do pequeno saguão retratando a cidade de antigamente. As construções marcantes estão todas lá e praticamente idênticas - a Ponte Romana, o Palácio da Galeria, a torre da Igreja de Santa Maria e a caixa d'água. Sinal de uma preservação bem sucedida da arquitetura da cidade.
No próximo post, a cidade que reúne algumas das atrações mais conhecidas do Algarve - Lagos.
⏩➧ Este é o segundo post da série sobre a viagem ao Algarve realizada em outubro de 2023. Para visualizar os demais posts da série, acesse aqui.
Postado por Marcelo Schor em 23.12.2024















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